É válido expormos nossas Histórias institucionalmente não-contadas
ainda, denunciarmos atitudes preconceituosas
contra pobres, negros e
afrodescendentes em geral assim como expormos quaisquer insatisfações contra a
chamada “sociedade historicamente privilegiada”.
Por outro lado TAMBÉM está na hora de acreditarmos em nossas
capacidades de fazer propostas capazes de superarem aquilo com o que não mais
concordamos e defendermos um país capaz de se desenvolver de forma que também
caibam outros representantes da população brasileira e até agora sistemática e intencionalmente excluídos. Pois até agora a chamada
“sociedade historicamente privilegiada” apenas soube construir um país
conforme seus interesses de classe e etnia.
Eu não acredito em solução para o racismo no Brasil sem a
democratização das condições que permitam aos adeptos das lutas antirracistas
no Brasil apresentarem e discutirem tais propostas com eleitores. Essa
democratização dependerá muito de financiamento público de campanhas. As
discussões de tais propostas (como o Brasil se desenvolverá de forma a dar
chances dignas à maioria dos brasileiros, revolução na educação
pública em todos os níveis, revolução na saúde pública, rearranjo da segurança pública e qualificação
profissional - tudo isso feito amarrado a um projeto estratégico de país soberano e inclusivo) terão mais chances de serem bem sucedidas fazendo-as vizinho a
vizinho, - partir dessa fase é imperioso que os promotores dessas iniciativas
se preocupem também com a formação de multiplicadores e coordenadores políticos
não-vinculados a partidos e sim comprometidos com as propostas defendidas e
aprovadas antes capazes de representarem o que se decidiu em fases anteriores -
rua a rua, bairro a bairro, cidade a cidade, regionalmente e finalmente
em âmbito nacional. Só assim elegeremos vereadores, deputados estaduais,
deputados federais e senadores comprometidos com a luta antirracista no Brasil.
Sugiro a complementação destas observações nos linques
Querem Sua Mente, Seu Coração e Sua Vontade
ECAPITALISTAS, SOCIALISTAS E COMUNISTAS NÃO CONTAM TUDO QUE SABEM
EVOLUÇÃO DO RACISMO NO BRASIL COM O FIM DO REGIME ESCRAVO; o racismo midiático e as elites logotécnicas
por Denis de Oliveira
Esta matéria faz parte da edição 128 da revista Fórum.
Entre o final do século XIX e início do século XX, o racismo no Brasil
travestiu-se de um discurso pretensamente científico ao importar as ideias das
teorias da eugenia e da antropologia criminal, que eram fortemente presentes
nos círculos intelectuais daqui. E foram ressignificadas. A teoria da eugenia
prega a separação entre “raças”, afirmando que a mestiçagem produz um tipo
degradado de ser humano. É a base de políticas segregacionistas, como o apartheid.
No Brasil, a teoria foi adaptada à circunstância de ser uma nação com
maioria de população negra. Aí houve a adaptação para o “branqueamento”, a
ideia de que a mestiçagem seria uma política “limpa” de faxina étnica. O
diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro João Batista de Lacerda apresentou
essa “solução brasileira” no Congresso Internacional das Raças de 1911, em
Londres, como uma medida eficaz para a limpeza étnica, silenciosa e sem
confrontos.
A mestiçagem foi novamente tratada, dessa vez como singularidade
nacional, na obra de Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala. E
dessa vez não como uma solução de limpeza étnica, mas como símbolo de uma
tolerância racial tipicamente brasileira que deu base à ideia da democracia
racial. Freyre teve o mérito de deslocar o conceito de raça da biologia e
colocá-la como categoria das ciências antropológicas.
O que se percebe nessas experiências é que o racismo foi uma ideia
discutida no campo das ciências. Foucault, em Microfísica do poder,
fala que o racismo não surgiu como uma “ideologia política”, mas como uma “ideologia
científica”. Isso é importante para que percebamos que o racismo é um discurso
que tem uma lógica e é racional. Não se trata apenas de deturpação ou de
ignorância (embora alguns racistas efetivamente tenham isso), mas de uma
narrativa sofisticada e articulada. Por isso, ele persiste no imaginário de
muitas pessoas, penetra nas instituições e estrutura as relações sociais do
país, por mais que o movimento antirracista denuncie e tenha algumas vitórias
no campo legal e normativo.
Os principais sujeitos do racismo científico são as elites intelectuais.
Foi no campo acadêmico que ele se estruturou e a legitimidade dessa elite
intelectual possibilitou a sua disseminação como narrativa ideológica.
Partilharam desse discurso personalidades importantes na intelectualidade
brasileira, algumas até próximas a propostas nacionalistas e progressistas,
como o escritor Monteiro Lobato e o educador Anísio Teixeira, simpatizantes e
até militantes da causa da eugenia.
O que percebemos atualmente é que a legitimidade do discurso racista vai
paulatinamente se deslocando da esfera acadêmica para a midiática. São as
elites logotécnicas, conceito de Muniz Sodré para definir o campo de
profissionais que operam a indústria imagética e midiática, que operam o novo
discurso racista. Novo porque o campo da indústria imagética é distinto da
academia. Na academia, o elemento ideológico é a razão instrumental. Na
indústria imagética, a visibilidade e a celebridade.
O caso recente do personagem da novela Amor à vida, que é
uma criança negra adotada por um casal de classe média alta, é um exemplo
disso. A criança negra terá os seus cabelos cortados porque o autor da novela –
Walcyr Carrasco – diz que uma família rica que adotasse uma criança negra
“faria isso” e que “quer um personagem que seja aceito”, ignorando que um ator
da própria novela, Marcelo Anthony, tem uma criança negra adotada sem ter o
cabelo raspado. Irritado com as críticas, ameaçou ainda que, se não ficarem
satisfeitos, tira o personagem, e ponto.
Por diversas vezes, o movimento negro reivindicou cotas de participação
de negros e negras nas produções midiáticas de ficção e publicidade,
reivindicação sempre rejeitada pelos membros da elite logotécnica, sob a
alegação que isso iria ferir a “liberdade de criação” do autor. Como se essa
liberdade de criação não estivesse submetida às lógicas do capital que emprega
tais autores.
O racismo midiático é uma das novas fronteiras de enfrentamento do
movimento antirracista. E também uma das mais difíceis. Porém, conforme se
observa em todos os outros campos da luta social, a democratização plena não
acontecerá sem a democratização total da mídia. F
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