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quinta-feira, 22 de maio de 2014

Pelo Racismo Institucional se mantem uma cultura social de intolerância

..."O que aconteceu ao Professor Kabengele Munanga pode ser lido como a continuação do comportamento típico dos dominantes quando enfrentam um caso de rebeldia contra injustiça: o rebelde tem que ser punido, na medida do possível, duma maneira exemplar (leia severamente) para que outros rebeldes potenciais não sejam encorajados em imitá-lo."...


O Professor Kabengele Munanga FOI EXCLUÍDO de uma seleção para professor visitante da UFRB( Universidade Federal do Recôncavo da Bahia). 
Por que tanto medo do Professor Kabengele Munanga? Por que tanta raiva contra alguém que contribuiu tanto na partilha dos seus saberes? Para as pessoas pouco informadas, o Professor Kabengele Munanga se destacou na sua carreira acadêmica na USP.

Em fins de 2013 se aposentou e aceitou o convite para lecionar como Prof. Visitante Sênior na jovem universidade federal do Recôncavo da Bahia(UFRB) Baiano -UFRB. Para isso, se candidatou para uma bolsa da CAPES, Edital 28 de 2013, na Categoria de PVNS Apesar de um parecer favorável e elogioso recomendando a outorga da Bolsa pleiteada, a sua candidatura foi rejeitada, levando a um protesto de vários acadêmicos, incluindo professores da UFRB. Numa carta aberta, agradecendo este ato de solidariedade, o Professor Kabengele Munanga explica historiando o processo em que se deu o que lhe aconteceu (veja anexo em baixo)
Aqui, gostaria de levantar uma pergunta: alguém teria medo do Professor Kabengele Munanga e de onde viria? A necessidade de refletir sobre isso é urgente, não só para os Afro-Brasileiros, mas também para todos os Brasileiros que entendem e agem como membros duma só humanidade, pois o contexto global em que vivemos hoje, exige, com urgência, essa afirmação.
No seu livro Pele Negra, mascaras brancas, Frantz Fanon discute esta questão do medo (pp. 125-6, Edufba, Salvador 2008), focando sobre aspetos bem conhecidos pelos sobreviventes dos legados acumulados da escravidão atlântica e da colonização. Infelizmente, o próprio Fanon não entra na discussão sobre como ele superou o medo. 
O medo dos adversários do Prof Kabengele Munanga é o produto, indireto, da serenidade e da franqueza com que ele tem abordado assuntos incomodantes da sociedade Brasileira, em volta das raízes do racismo, das sugestões sobre como solucionar as injustiças cumulativas herdadas dessas violências contra as partes discriminadas da humanidade.
Esse medo, quer da vitima, quer de quem tem medo da resistência das vitimas, nunca é de bom conselho. O medo dos gerentes dum sistema prisional tem uma explicação, mas, como é sobretudo visceral, a explicação a partir da razão não se aplica. Porque, como sempre aconteceu em outros casos históricos, os administradores do sistema não são preparados para enfrentar quem deveria se submeter à suas ordens, mas que, em vez, se levanta e argumenta a partir da sua consciência e com eloqüência e sabedoria uma saída honrosa para todos. Para os gerentes dum sistema injusto, as vitimas tem que se calar. Ir na contra mão dessa ordem informal é geralmente caracterizado de “impertinência” e, por isso, tem que ser punido.
Os administradores/gerentes dum legado histórico profundamente injusto tem dificuldades em parabenizar o Professor Kabengele Munanga decidir, no fim da sua careira, na pratica, dar uma lição de como corrigir as conseqüências, no nível do ensino superior, duma injustiça sistêmica contra as descendentes e os descendentes da escravidão. 
Não é difícil imaginar o que se passa na mente dos adversários do Professor Kabengele Munanga. Na peça de teatro Et les chiens se taisaient, Aimé Césaire ilustrou como o rebelde escravo enfrentou o dono, no próprio quarto dele. O que aconteceu ao Professor Kabengele Munanga pode ser lido como a continuação do comportamento típico dos dominantes quando enfrentam um caso de rebeldia contra injustiça: o rebelde tem que ser punido, na medida do possível, duma maneira exemplar (leia severamente) para que outros rebeldes potenciais não sejam encorajados em imitá-lo. Historicamente, os exemplos individuais e coletivos abundam: Kimpa Vita, Zumbi, Geronimo, Abdias Nascimento, Toussaint-l’Ouverture, Cuba, Haiti, Patrice Lumumba, Amilcar Cabral, Salvador Allende, Cheikh Anta Diop, Nelson Mandela, Samora Machel, Thomas Sankara, Steve Biko, Chris Hani, Aristide, para não mencionar mais.
O Professor Kabengele Munanga, de origem Congolesa, nação de Kimpa Vita, Patrice Lumumba e outras e outros, na mente dos seus adversários, por definição, não tem direito à palavra, muito menos quando a sua fala/escrita acaba dando uma lição contundente de como superar legados históricos seculares, no Nordeste Brasileiro, para que qualquer Brasileir@ possa pensar, sonhar, e conseguir ser uma estrela, um craque intelectual.
Desde já, agradecemos a coragem do Professor Kabengele Munanga por ter continuado trilhando os caminhos das benzedeiras e dos benzedeiros sobre os quais o grande autor Ghaneense, Ayi Kwei Armah escreveu com tanta eloquencia no seu livro de ficção The Healers. 

Fonte:  https://www.facebook.com/helena.rocha.7

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Racismo Institucional na Escola Infantil

CARTA DE UMA MÃE A UMA ESCOLA BRANCA, ONDE ESTUDA SUA FILHA NEGRA DE QUATRO ANOS
Recife, 05 de maio de 2014.
Prezadas professoras, coordenação da escola e quem mais fizer parte da educação de meus filhos:
Minha filha (Infantil III - Manhã) foi vítima hoje de bulling racista na escola. Vou contar desde o início.
Ao tentarmos fazer a tarefa que pedia para procurar em revistas uma família que se parecesse com a nossa, obviamente, não encontramos, pois nossa mídia acredita que só existem pessoas brancas e de cabelos lisos no Brasil. Pedi, então, para ela desenhar nossa família. Como pode ver no desenho, ela se pintou de "menina branca".
Como trabalhamos muito em casa as questões raciais, até porque meus filhos são filhos de um homem negro, e como minha filha tem o fenótipo de "mulata" (termo que, inclusive, não deve ser usado, por ser derivado de "mula" e expressa fortemente um racismo colonial), questionei porque ela se pintou daquela cor, já que ela é NEGRA (trabalho muito com ela o emponderamento racial). Ela começou a chorar e dizer que não queria ser "daquela cor", que queria "ser branca" e que, quando crescesse, iria colocar pó de arroz para ficar branca.
Tentei ir puxando mais sobre o assunto, sempre dizendo que ela é linda do jeito que é, vangloriando sua beleza (como fazemos sempre aqui), e ela foi soltando mais. Disse: "mas é que não tem ninguém da minha sala com 'esta cor'", "eu não gosto" e "um amigo meu me disse que eu sou feia". Coloquei-a em frente ao espelho e perguntei quem ela via ali. Ela disse: "EU!", e eu perguntei se ela se achava feia mesmo, olhando no espelho. Ela disse que não.
Perguntei, momentos depois, quem foi o amigo que disse que ela era feia, ela respondeu "João", e eu perguntei como ele disse isso. A resposta me fez chorar: "Ele disse que eu sou feia porque eu sou negra".
Queridos, isto é um assunto MUITO sério e que precisa ser tratado com URGÊNCIA dentro de sala de aula. Sugiro que, de imediato, aproveitem o mote da tarefa para fazer isso, para trabalhar como as crianças estão se enxergando, porque isto é fundamental na auto aceitação e na aceitação das diferenças como um todo.
Falo isso porque, apesar de ser branca, sei o que é o racismo velado do Brasil. E ele ACABA com a autoestima das crianças, inclusive de meninas bem resolvidas como minha filha é. Há menos de 15 dias, meu marido levou surra da PM, de graça. Ele é negro, estava de bicicleta e passando próximo a uma comunidade carente. Quem quiser que tente nos convencer de que esta violência "não tem nada a ver com a cor da pele", porque NÓS SABEMOS que tem.
Sexta-feira tem reunião na escola sobre minha filha, e este será o principal tema, depois do que aconteceu. Acho que este é um problema muito mais grave do que qualquer outro que queiram me falar.
Precisamos agir em conjunto. Quero tentar um encontro de pais e mães (porque acredito que esta criança apenas repetiu o que ouviu em casa, já que o tema 'racismo' está na mídia em função da péssima campanha 'Somos Todos Macacos'). O racismo velado está, finalmente, aflorando. E minha filha foi vítima dele.
Precisamos inserir temáticas raciais e sociais com mais força dentro de uma "escola de brancos". Caso contrário, esta praga social nunca deixará de violentar crianças como a minha filha. Tenho várias sugestões de atuação sobre o tema, livros para se abordar o tema em sala de aula, até uma aula PRONTA, utilizando o livro "Menina Bonita do Laço de Fita", esta aula está disponível no Portal Geledés Instituto da Mulher Negra.
Conheço ativistas do movimento negro, com quem poderia falar para se pensar em uma palestra para pais e mães. Porque é fácil se dizer 'não racista' sendo branco, mas sem fazer ideia do que as pessoas negras sofrem no Brasil, principalmente se elas, como a minha filha, são minoria dentro de um contexto específico, como é o da escola dela. É difícil ser 'diferente' em um ambiente preconceituoso (as crianças trazem os preconceitos de dentro de suas casas), portanto, acho FUNDAMENTAL que se trabalhem DE VERDADE estes preconceitos.
A dor da minha filha é minha dor também. A semente do racismo foi plantada dentro de minha família, de forma bem triste, nos últimos dias. Espero que, com a ajuda da escola, consigamos fazer com que ela não germine, e que minha filha e outras crianças negras não sofram nunca mais com este tipo de semente, que pode destruir a identidade de uma pessoa. Porque, como disse uma amiga minha, negra, "esta ferida plantada na infância não sara nunca".
Agradeço a atenção.

Patrícia.
 

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