Invisível e invizibilizado – ser negro no Brasil
Ana Helena Ithamar Passos
Camila Camargo Vieira
Márcia Micussi de Oliveira
Flávia C. B.Biazetto1
INTRODUÇÃO
Camila Camargo Vieira
Márcia Micussi de Oliveira
Flávia C. B.Biazetto1
Nosso artigo pretende trazer um breve histórico do que
foi o movimento Negritude, como ele surge nas mãos dos intelectuais negros da
diáspora, e com isso levantar uma reflexão da nossa própria realidade. A
temática escolhida se justifica devido à necessidade
de se entender a posição da população negra no Brasil e
contribuir para o resgate da imagem do negro enquanto sujeito da história
brasileira, face à obrigatoriedade da Lei 10639/03.2
Esta lei, fruto da mobilização e lutas do movimento
negro brasileiro, tem como objetivo o reconhecimento da participação da
população negra na cultura nacional, fugindo da folclorização e dos
estereótipos. Cabe ressaltar que trazer conteúdos da diversidade cultural
brasileira para o currículo escolar não visa mudar o foco eurocentrista para um
afrocentrista, mas sim dar visibilidade à população negra e sua contribuição
para a cultura nacional.
O conceito de Racismo urge como alicerce desta
discussão. Aqui, entendemos o conceito de raça como uma construção ideológica
que carrega em si a idéia de hierarquia. De acordo com Elisa Larkin Nascimento:
“A noção de ‘raça’, firmemente embutida na hierarquia da
cor, carece de realidade biológica, mas exerce uma função social de forte
impacto concreto sobre a vida real. Trata-se do fenômeno de raça socialmente
construída”. (Nascimento, 2003, p.235)
Visto isso podemos notar que a raça branca se impõe como
superior às outras, depreciando-as. Atos, atitudes e situações são permeados
por tal ideologia e suas conseqüências fazem parte das nossas relações sociais
e do nosso imaginário coletivo.
O racismo aqui é entendido como sendo “práticas que usam
a idéia de raça com o propósito de desqualificar socialmente e subordinar
indivíduos ou grupos, influenciando as relações sociais”.(Seyferth, 2002:28).
Não só a ideologia racista serve como pilar de ações e atitudes
discriminatórias e preconceituosas na sociedade, como também mantém o poder nas
mãos da população branca.
Como vemos, percebe-se a suma importância de entender
que mesmo sem existir raça em seu sentido biológico, ela existe no senso comum.
Os danos racistas e a continuidade da sustentação do conceito de “raça” estão
presentes no cotidiano das pessoas.
É diante dessa situação imposta de inferiorização de
raças que surge a necessidade de resgatar o orgulho de ser negro, sendo isso a
mola propulsora da Negritude. Deve-se
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deixar claro que, esse movimento foi precedido por outros
que buscavam resgatar a identidade negra. Todo este processo histórico de
conscientização de pertença vai dar base à concretização da Negritude.
O MOVIMENTO NEGRITUDE
Podemos citar o Pan-africanismo como uma das primeiras
tentativas de dar visibilidade aos negros e sua história. Esse movimento foi
formado pelas elites negras escolarizadas, desta forma, restringindo sua
divulgação a congressos, livros, jornais e revistas que não atingiam as todas
as camadas sociais da população negra. No cerne de seus ideais, estava o desejo
de unir os negros e reconhecer o seu valor histórico civilizacional.
As idéias de valorização da cultura e história da raça
negra trazidas pelo Pan- africanismo vão servir de alicerce para Harlem
Renaissance - movimento social e cultural que aconteceu em Harlem, um bairro
negro de Nova Yorque, de 1920 até 1940. Culturalmente, este movimento usou
várias expressões como dança, música, teatro, literatura, artes visuais, além
de influenciar a visão de história e política dos que dele participaram.
Foi por meio dessas manifestações culturais que o
discurso político foi articulado e, por elas terem sido absorvidas pela
indústria cultural, a história afro-americana ganhou espaço que antes lhe era
negado. A divulgação da cultura afro e o resgate de sua histórica ficaram
conhecidos como “O Movimento Negro”, que , também, buscou recuperar a própria
palavra ‘negro’, dando-lhe uma conotação positiva, e ao mesmo tempo insistindo
que a expressão ‘nigger’ era inaceitável.
Nesse período, surgem estudos e teorias que suscitam uma
revalorização da imagem histórica do continente africano e de seu povo. Para
exemplificarmos o teor das discussões propostas por esses estudos, citaremos
W.E.B Du Bois, que em seu livro O Mundo e a África refuta o argumento de que a
África não havia contribuído em nada em termos de história e de civilização.
Tanto neste livro, quanto em Souls of Black Folk, seus objetivos eram claros:
escrever a história e a cultura dos africanos e de seus descendentes. Assim, o
autor buscava ajudar os Afro-americanos a se identificarem com os povos
Africanos, como motivo de orgulho e não de constrangimento, e apresentar o
humanismo e a herança africana como armas contra racismo e colonialismo. Desta
forma, Du Bois, entre outros pesquisadores, revolucionou a maneira de se falar
da África, de seus povos e de sua
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diáspora, dando-lhes a visibilidade negada durante
décadas e humanizando a raça negra e, assim, combatendo as idéias de
irracionalidade deste povo.
Negritude foi um movimento literário de intelectuais
originários das colônias francesas vivendo em Paris na década de 30 que
dialogou, entre outros, com Du Bois. Os estudantes africanos, que viviam na
França, depararam-se com a discrepância entre os valores da Revolução Francesa
e a realidade vivida por eles em
Paris. A discriminação e a marginalidade social a que eram
submetidos, fizeram esses jovens intelectuais repensar o papel da cultura
francesa em suas próprias identidades.
Este questionamento resultou na percepção do quanto a
literatura colonial estava afrancesada, tanto em forma quanto em conteúdo. Isso era
uma evidência da imposição cultural francesa. A tomada de consciência dessa
situação levou os estudantes africanos a repensar em sua literatura e buscar
formas literárias que expressassem sua cultura, e não mais a da colônia. Este
movimento de ruptura identitária colonial nomeou-se como Negritude, e foi
promovido, inicialmente, por Aimé Césaire.
Césaire nasceu em Basse-Pointe, Martinica, em 1913,
filho de uma costureira e de um coletor de impostos que cedo se destacou na
escola, apesar da pobreza. Seu pai tinha uma boa educação e a família possuía
valores pequenos-burqueses, mas isso não mudava a realidade econômica. Aos 11
anos, entrou no Lycée Schoelcher em Fort-de-France, graças ao fato de ser aluno
brilhante. Viajou para Paris em 1931, quando se formou, para tentar ingressar
na École Normale Supérieure, e se formar professor. Entre outros grandes
intelectuais, encontrou Léopold Sédar Senghor, de Senegal. Esses intelectuais
começaram a estudar história e cultura africanas, principalmente o trabalho do
etnólogo alemão Leo Frobenius que havia escrito “Voz da África”. Tal estudo
apresentava as contribuições culturais e intelectuais dos povos africanos para
o mundo.
Césaire e o poeta Léon-Gontran Damas fundam o jornal
chamado O Estudante Negro. Na edição de março 1935, Césaire publica um artigo
contra assimilação, no qual o termo Negritude aparece pela primeira vez. A
originalidade do movimento era o olhar para a África com o sentido de descobrir
e re-estabelecer os valores que o colonialismo francês tinha tentado esmagar.
Apesar de a língua utilizada ser a do colonizador, os poetas da Negritude
mostraram como as tradições e culturas africanas eram tão ricas quanto à da
Europa.
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Léopold Sedar Senghor definiu Negritude nos seus poemas
e rejeitou que as noções de raça branca/negra eram mutuamente exclusivas.
Senghor acreditava na existência das raças, mas não na sua hierarquização. Além
disso, para ele importava mais o espírito original presente tanto na maneira de
pensar, quanto nas instituições africanas do que promover uma volta ao passado.
Esta sua interpretação de Negritude tornou-se basicamente hegemônica e serviu
de base para vários outros escritores. Em vez de ver a negritude como inferioridade
dever-se-ia aceitá-la com orgulho e cultivá-la amorosamente, proclamou Senghor.
Dentro do próprio movimento, houve duas tendências sobre
o desenvolvimento identitário do negro que competiram entre si, a de Cesaire e
a de Senghor. A primeira via a unidade e especificidade de ser negro como um
desenvolvimento histórico oriundo do tráfico de escravos do Atlântico em
conjunto com o sistema de plantações nas Américas. Isso lhe permitia discutir e
propor um projeto de liberdade para os Afrodescendentes tanto no campo
político, como no espiritual. Por sua vez, Senghor defendia que havia uma
essência negra por si, inabalável e imutável. Essa última acabou por ganhar o
debate intelectual, mas foi duramente atacada, principalmente, quando seu
formulador tornou-se presidente do Senegal e a usou como justificativa
ideológica para sua plataforma de governo.
Apesar das divergências das lideranças do movimento
Negritude quanto às questões ligadas à identidade negra, havia um ponto em
comum, o qual não gerava discussão: o movimento via a personalidade cultural
negra africana constituída de identidade, fidelidade e solidariedade. Neste
sentido, a Negritude reivindica a sobreposição desta personalidade à ‘máscara
branca’ imposta pela teoria da assimilação. Este era o principal objetivo do
movimento da Negritude, praticamente o único antes da Segunda Guerra Mundial.
Durante e após esse grande conflito mundial, o movimento
ganhou uma dimensão política, aproximando-se da proposta essencial do
pan-africanismo. Havia um despertar dentro desse contexto internacional dos
colonizados, em uma tentativa de pôr em evidência a cultura africana. Nasce no
negro o desejo de afirmação cada vez maior, ultrapassando os limites da
literatura, atingindo a ação política e a luta pela independência.
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A criação poética torna-se um ato político, uma revolta
contra a ordem colonial, o imperialismo e o racismo. Assim, o movimento da
Negritude deu um grande impulso às organizações políticas e aos sindicatos
africanos, esclarecendo-os na sua caminhada à independência nacional. Dentro
desse quadro, as independências coloniais foram conquistadas, promovendo a
continuidade da unidade africana ao mesmo tempo em que oferecia um quadro
ideológico a partir do qual seus protagonistas, tornados homens de Estado, iam
pensar o desenvolvimento econômico e social e abordar o sistema de
representação dos valores culturais de seus respectivos países.
Contudo, esse pensamento passa a perder o sentido,
quando começa a ser usado por Senghor, em seus discursos políticos, pois havia
uma dificuldade em conceber um acordo com opções políticas, escolhas de modelos
de desenvolvimento e tipos de relação com as antigas metrópoles e os grandes
blocos ideológicos.
Existia uma preocupação com a volta do neocolonialismo,
sobretudo da imposição da língua francesa, incentivado por Senghor que era a
favor da francofonia. Esta proposta, dentro da Negritude, baseava-se no
fortalecimento e desenvolvimento do francês como ideal e fundamento da política
e cultura nos novos países africanos. Seria assim, uma ideologia
neocolonialista imperando através desta influência da língua e da cultura
francesa, sendo este movimento consentido pelos líderes africanos. Neste
sentido, a partir desse neocolonialismo lingüístico haveria uma dominação econômica
oculta.Todos estes fatores contribuíram para que houvesse um descrédito ao
movimento da Negritude, sem tirar claro, a importância do movimento, devido a
uma posição pessoal de Senghor.
Além da busca da identidade cultural e da ação política,
segundo Kabengele Munanga, o terceiro objetivo fundamental da Negritude era “o
repúdio ao ódio”. Isso seria a abertura de diálogo com outras culturas, visando
o que Senghor chamou de civilização do universal. Já Césaire contemplava este
objetivo quando define a solidariedade dentro do movimento da Negritude.Os
negros do mundo todo se apoiariam, de uma certa maneira, dentro desta
perspectiva, sem é claro se isolar do mundo e de outras culturas. O desafio era
contribuir para construção de uma nova sociedade, onde cada ser humano poderia
encontrar seu espaço.
Essa busca de identidade, almejada pela Negritude,
relaciona-se a um entendimento do indivíduo na sociedade. Daí um sentimento de
volta às origens, que não passa em si por
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um resgate da forma de vida tradicional pré-colonial, e
sim uma “negação do dogma da supremacia colonizadora em relação à cultura do
povo dominado, com o qual sente necessidade de identificação”.3
Portanto, buscar uma identidade cultural que acolhesse
os negros da África e da diáspora africana era um dos objetivos inclusos no
cerne do movimento da Negritude. Na interpretação de alguns autores a busca e a
conquista dessa identidade cultural é uma dos maiores desafios do movimento,
para isso o negro terá que aprender a se reconhecer como negro, a desejar sê-lo
e principalmente ir atrás dos seus valores ancestrais, perceber-se no mundo a
partir de uma outra visão, desconectar-se dos valores ocidentais, eurocêntricos
e principalmente, resignificar entendimentos sobre palavras que por muito tempo
foram usadas de forma pejorativa e discriminatória para infamar a imagem do
negro.
“A Negritude aparece aqui como uma operação de
desintoxicação semântica e de constituição de um novo lugar de inteligibilidade
da relação consigo, com os outros e com o mundo.”4
Para que essa identidade cultural se tornasse sólida era
necessário um empenho de escritores, literatos, psicólogos e tantos outros
profissionais em desenvolver uma maior consciência do negro africano e da
diáspora sobre sua história. A identidade cultural se legitima a partir de
componentes como o histórico, o lingüístico e o psicológico. Mas, é na história
que se encontra o fio condutor e o pilar de construção de identidade, já que é
no entendimento do seu passado que o negro irá se reencontrar no mundo.
Enquanto havia pensadores negros, no exterior,
elaborando o conceito de Negritude, em uma tentativa de reafirmar uma
identidade negra, o mesmo não acontecia no Brasil. A tentativa de unidade
nacional através dos pressupostos de mestiçagem, não valorizava as
contribuições das civilizações negras na formação da identidade nacional.
De acordo com Nascimento, “o ideal da brancura
inseriu-se, às vezes camuflado, no elogio da mestiçagem”. Assim a mestiçagem,
que era vista como algo nocivo e degenerativo e, portanto, teria que ser
combatida com a estratégia de embranquecimento da nação transforma-se em um dos
definidores da nação brasileira.
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Dessa maneira buscava-se atenuar e corrigir a nação
brasileira tanto pelo branqueamento fenotípico, como pela educação,
privilegiando correntes migratórias brancas tendentes à assimilação e ao
caldeamento.
Quando analisamos a imagem do negro no país somos
confrontados por toda uma gama de estereótipos que se repetem há séculos. O
negro já era visto como perigoso, um elemento nocivo para a sociedade desde
quando foi inicialmente escravizado. O batismo nos navios negreiros era uma forma
de se tentar "humanizá-lo", em uma sociedade que confundia valores
cristãos com a essência do ser humano.
Os africanos trazidos para o Brasil eram de povos
diferentes, com culturas diversas. Uma maneira de controlá-los era
separando-os, evitando assim que se organizassem e se rebelassem continuamente.
Além disso, com essa separação também se esperava que a identidade étnica fosse
anulada, o que de certa forma foi alcançada.
Não apenas houve uma tentativa de invisibilizar os
elementos culturais da população negra, mas também toda a participação dos
negros nos acontecimentos sociais do país. Há poucos registros oficiais da
participação dos negros na luta contra a escravidão. Os movimentos de
resistência à escravidão, apesar de ser apresentado na historiografia oficial
como fruto de uma parcela da intelectualidade branca e de outros brancos
contrários ao sistema escravagista, foram protagonizados pelos próprios negros.
A história do Brasil registrada nos livros didáticos
escolares escamoteia o real papel dos negros na história política-economica do
país. Para exemplificarmos isso, podemos citar a maneira reduzida como o papel
dos diversos quilombos é ensinado, pois, na maioria das vezes, eles são
apresentados aos estudantes, somente sob um aspecto: como um lugar onde os
negros se refugiavam. Além dessa função de abrigar os escravizados fugitivos,
os quilombos apresentavam uma estrutura democrática muito bem organizada, o que
lhes proporcionavam uma prosperidade social e econômica. Sob este aspecto,
devemos enfatizar a importância econômica dos quilombos, visto que eles
estabeleciam relações comerciais com algumas cidades.
Outro aspecto que merece ser destacado na história
nacional é a resistência dos negros diante da escravidão. Isso ocorreu em
diversas dimensões: política, cultural e individual. Neste último âmbito temos
o registro de inúmeros suicídios e abortos praticados pelos negros como uma
saída à violência escravista que lhes impunham. A resistência no
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aspecto cultural relaciona-se com a preservação das
danças, ritos religiosos, lendas, enfim, fatores culturais que se mantiveram
mesmo diante das imposições de seus senhores.Deve-se enfatizar que esta cultura
africana conservada em território brasileiro é um elemento constituinte na
cultura do Brasil. Também, houve várias revoltas urbanas, como a dos Alfaiates,
na Bahia; a Cabanagem, no Pará e a Balaiada, no Maranhão, em que a população
negra foi protagonista, lutando contra as injustiças do regime vigente. Essas
revoltas demonstram que a suposta passividade do escravizado em relação à sua
condição foi uma construção ideológica usada para contribuir na elaboração da
idéia de inferioridade do negro.
Tendo em vista os fatos históricos apontados sobre a
população negra na sociedade brasileira, não foi surpresa que o período
pós-abolição manteve a negação do sujeito negro como parte do processo da
formação da nação brasileira. Quando a república é proclamada, quem éramos e
quem gostaríamos de ser, tornou-se um problema a ser resolvido. O que fazer com
o negro liberto já rondava nas mentes pensantes do Império; mesmo antes do fim
do regime escravista, a população negra já era vista como um
"problema" que necessitava ser resolvido depois de 1889.
É necessário lembrar que houve a opção racional pelo
branqueamento da população brasileira, com a escolha de imigrantes brancos para
fazer o trabalho necessário para aquela fase do capitalismo. Essa opção pela
mão de obra livre e branca foi uma escolha ideológica cujas raízes estavam no
racismo praticado no país.
Essa tentativa de embranquecimento da população
brasileira revelava uma preocupação em formar uma outra nação postulada na
“superioridade” racial dos tipos brancos, desejando que a mestiçagem fosse
intensa para que o grande contingente da população negra que configurava o país
na época, sendo maioria, se “diluísse”, embranquecendo. Assim, aproximando-se
do tipo ideal legitimado pelo contexto acadêmico europeu e norte-americano que
acreditavam na inferioridade biológica da maior parte da população brasileira e
na conseqüente superioridade da civilização ocidental.
Todo esse processo de branqueamento do povo brasileiro,
através da miscigenação e da imigração européia, veio na tentativa da
eliminação das ditas “raças inferiores”, respaldadas numa política eugenista que
preconizava o tipo “ariano” como ideal. Esse debate foi adquirindo nuances das
mais distintas, assumindo discursos vários culminando na década
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de 30 com Gilberto Freyre. Esse período marca uma
mudança de olhar do biológico para o cultural, para se explicar as diferenças
entre os negros, indígenas e brancos.
Nessa época há um deslocamento do conceito de “raça”
para a cultura, na tentativa de resolver o problema da mestiçagem, dando um
conteúdo positivo ao mestiço, não sendo mais visto como degenerado, atávico.
Nesse período, instaura-se o chamado “mito da democracia racial”, como se
houvesse uma convivência harmoniosa entre as populações negras, indígenas e
brancas no Brasil. Isso, no entanto, não passa de ideologia, pois as
hierarquias, dominações, explorações, desigualdades e conflitos raciais
continuam a existir.
A discussão que antecedeu o 13 de maio, ao apontar a
necessidade da imigração européia ignorava a contribuição dos escravizados para
a economia da colônia. Ou seja, havia um grande conhecimento acumulado por
parte dos africanos e seus descendentes no Brasil, cuja mão de obra poderia ser
re-treinada e utilizada nas fábricas e outros postos de trabalhos criados pelo
capitalismo urbano que se estabelecia no país. Mas foi argumentado que o negro não
só não sabia nada, mas que também era incapaz de aprender, numa clara refutação
da realidade.
O que se viu foi que à população negra foi negado o
acesso aos novos postos de trabalho, pelo simples fato dela ser negra. Sem
trabalho, sem ter onde morar (já que havia sido expulsa das fazendas e outros
lugares onde havia habitado até o fim da escravidão), vista como perigosa,
coube a ela se ajeitar como conseguia, fazendo os trabalhos que nem os brancos
brasileiros nem os imigrantes queriam. A total pauperização da população negra,
que até então havia sido a criadora da riqueza da nação, foi apresentada como
conseqüência da sua inabilidade de aprender novos ofícios e de sua preguiça
inata. Em outras palavras, as elites se abstinham da responsabilidade da situação
dos negros e os responsabilizavam pela pobreza, a qual era submetida, por meio
de argumentos refutáveis como: a miséria era conseqüência da ignorância e
preguiça dos negros.
À população afrodescendente foi também negado o acesso à
escola. O discurso que o negro era incapaz de aprender foi legitimado, por
conseqüência dessa proibição a diferença da escolarização entre a população
afrodescendente e a branca ficou cada vez maior. No âmbito escolar, a
disparidade entre negros e brancos estendeu-se, conseqüentemente, ao mercado de
trabalho, fazendo com que as camadas negras não competissem de forma justa com
a população branca.
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Sob o ângulo exposto até o momento e não perdendo de
vista que fazemos parte de uma sociedade racista, é possível afirmarmos que
percebemos, nas sociedades contemporâneas, resquícios das soberanias econômica
e cultural européias, que influenciaram quase todas as nações até meados do
século XX. Assim, a tradição educacional e todo seu material didático, ainda,
estão carregados de valores depreciativos e preconceituosos em relação aos
povos e culturas não oriundos do mundo ocidental. Além disso, há a omissão de
dados históricos que denunciariam a crueldade cometida contra esses povos que
foram dominados e que sofreram uma tentativa de sufocar suas culturas. A
reprodução de valores eurocêntricos, consciente ou inconscientemente, e o
atenuamento da brutalidade histórica servem de pilar para que haja uma
desvalorização do que é ser negro.
No Brasil, tal discussão foi adiada durante décadas.
Entretanto, as conseqüências de tal processo histórico e a postergação de seu
debate têm resultados visíveis na sociedade. Sob este aspecto, há, neste país,
necessidades semelhantes às que deram origem ao movimento Negritude,
culminando, assim, na Lei 10639/03, que tenta valorizar a imagem da população
negra e afirmar sua contribuição cultural na formação nacional.5
Podemos declarar com segurança que uma parte
significativa das populações negra e branca possui uma imagem dos
afrodescendentes que está longe de ser positiva. Acreditamos que a aceitação
das "coisas negras" do "ser negro", defendida pelos
participantes do movimento Negritude, ganha relevância neste contexto. Quando a
maioria dos afrodescendentes se enxergarem como tal, tendo orgulho da sua herança
africana, por mais fragmentada que ela possa ser, haverá uma mudança de
valores.
As imagens e representações coletivas negativas que se
têm dos negros na nossa sociedade não se modificam apenas pela lógica da razão,
pela informação e formação. É preciso descobrir e inventar técnicas e
linguagens capazes de tocar no imaginário e nas representações que a muito
foram cristalizadas na estrutura profunda do psiquismo humano.
Isto só será possível com a capacitação de educadores,
mudanças nos currículos, transformação da nossa televisão. Trazer a historia do
negro para a escola é fundante para contemplar todo o seu legado e abrir portas
para a necessidade do brasileiro reconhecer o
5 Temos em vista de que o Movimento Negritude circulava
em rodas dos intelectuais negros da década de 30. Apesar da diferença temporal,
bem como do contexto sóciopolítico, observamos que o pilar das duas discussões
se encontra no desejo de visibilizar a cultura e a história da população negra.
negro como sujeito e construtor da historia do país.
Caso isto realmente seja feito, haverá a celebração do "ser negro",
de orgulhosamente proclamar-se afrodescendente.
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BIBLIOGRAFIA:
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Paulo, 1988.
HERNANDEZ, Leila. África na sala de aula – visita à História Contemporânea São
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12
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